27 de jan. de 2010

A Puta Poeta

A puta poeta confundia-se com uma puta comum

Banhava-se em perfume barato
Vestia roupas extravagantes
E nas esquinas parava,
Barata e extravagante como seus perfumes e roupas

Esperava o primeiro cliente e após duas palavras
E negociações nas quais quase nunca levava vantagem
Entrava no carro e seguia para o destino cruel
Que era o objetivo e castigo de toda puta

Mas a puta poeta tinha um diferencial
Vendia-se, é verdade
Levava estocadas ásperas de membros masculinos eretos
Que penetravam-na sem nenhuma delicadeza

Escutava palavras de baixo calão
E freqüentemente era alvo de jatos de gozo fútil e sem graça.
Sem graça para ela, entenda-se bem

Mas quando o amante satisfeito terminava seu fétido ritual
A puta poeta ascendia seu cigarro
E nua declamava poemas de Camões

E essa era sua vingança

Pois castigo pior não há, para quem procura uma puta,
Do que saber que aquele animal sexual
Que tão selvagem violentou na cama
É capaz de pensar, sentir e se expressar

Ou pior ainda é saber
Que aquela fêmea ardil,
Que suportou seu membro no ventre, no reto e na garganta,
É tão ou mais inteligente do que ele
E vive

É uma dor tão voraz que um dia
Um desses bichos que nos convencionamos a chamar de homem
Não foi homem o bastante para suportar

E a puta poeta foi brutalmente assassinada
Num motel vagabundo da Zona Norte
Foi enterrada dias depois
E em seu epitáfio lia-se “Gentil Senhora”


Texto e ilustração: Jeff Santanielo



Nó.

Na garganta seca
a palavra falha,
a saliva engasga.

Só.

A cabeça falta,
os olhos ardem,
as pernas tremem.

Óh!

Se a palavra some,
se a mente salta,
quem é que sopra o que dizer?

Nó.

A respiração já é lenta,
e agora argumenta que
não tem mais nada a fazer.
O coração aperta,
e cansado se entrega,
pois lhe falta por quem bater.

E aí é nó,

e aí é dor,

e aí é dó.

- E esse cabra forte, morreu do quê?

- Morreu de falta do que viver.

Texto e ilustração: Jeff Santanielo

26 de jan. de 2010

A Gorda



A gorda sofria de uma terrível dor nas costas.
Uma dor terrível, mas não tão terrível quanto seu peso.
E apesar de todos os exames, pílulas e tratamentos,
a gorda só sentia alívio quando se deitava no sofá.

Um dia, cansada de todas as receitas e recomendações médicas;
cansada de filhos, marido e toda sorte de parentes,
que aconselhavam-na cruelmente a perder peso,
a gorda caminhou até o sofá e sentou-se.

Decidiu que se ali era único lugar onde tinha paz,
Ali ficaria até o fim de seus dias.

Ali a gorda se sentou e engordou mais e mais.
E ali passou anos e anos, sentada.
Comida levavam para ela.
Suas necessidades fisiológicas escorriam para o carpete.
Não levantava para ser mãe. Não levantava para ser esposa.
Não levantava para ser tia, prima, amiga ou conhecida.
Não levantava para nada.

Foi-se primeiro o marido.
Foram-se depois os filhos.
Foram-se os parentes e, pouco a pouco, os vizinhos esqueceram-se dela.

Quando ficou finalmente sozinha,
sem ninguém para dar-lhe o que comer,
a gorda passou a devorar o que estava ao seu alcance.
Roupas, móveis, objetos de decoração;
cachorros e gatos de rua, que atreviam-se a entrar na casa.

Engordou.

E morreu de tanto engordar.

O que a gorda não sabia é que naquele fatídico dia
em que decidiu sentar-se para sempre,
achatou não apenas tecido, molas e madeira;
Mas também seus sonhos, seus desejos, sua alma.

Sentou sobre si mesma e esmagou-se com seu hediondo peso.

Texto e ilustração: Jeff Santanielo